sexta-feira, 26 de maio de 2017

Sobre estereótipos

No final do mês de março, a babá que estava nos ajudando, pediu para sair. Preferiu voltar para a cidade dela. Mas, não é sobre isso que vou escrever aqui. Eu sinto uma gratidão enorme pelos três meses que Maria passou com a gente. Ela é ótima, boa, dedicada em tudo o que faz, comprometida. Aquele tipo de pessoa que a gente se sente feliz em conhecer. Do fundo do meu coração, eu sabia que a rotina das viagens para Maria, que inclusive é casada, não estava sendo boa. E, no final das contas, eu é que me senti feliz por ela ter arrumado uma oportunidade na cidade dela.

Mas, aí que decorrente disso, eu precisei procurar uma babá nova, para me ajudar em casa. Então, uma amiga mandou o contato de uma babá que foi indicada em um grupo que ela faz parte. Muito bem indicada, por sinal. Cheia das melhores referências. E eu não duvido que ela seja verdadeiramente especial. Tanto que resolvi ligar. E daí que ela, muito educada e cortês, começa a me fazer algumas perguntas. E, no meio da conversa, eu menciono que tenho dois filhos, que o mais velho já não demanda muito, mas que algumas vezes eu posso precisar que acompanhe o meu pequeno em alguma das terapias que ele faz, quando eu não puder ir, por algum motivo. E ela, calmamente, me pergunta por que o meu filho faz terapias. Ao que respondo tranquilamente: porque ele tem síndrome de Down. Daí ela me sai com a pérola: “me diga uma coisa, dona, e esse seu filho é daquele tipo agressivo? ”

Pronto. Foi o gatilho para a minha dor lombar. Ai... que dor. Na hora, eu disse que meu filho era uma criança e me fiz de desentendida com a dúvida dela e ela prosseguiu a me explicar que existem crianças com essa "doença" que jogam coisas nas pessoas, que batem, que mordem... Eu me limitei a dizer que meu filho era uma criança... e achei melhor desistir dela, não sei se fiz certo, se fui precipitada, simplesmente não consegui e ela tem o meu perdão, mas, não consegui prosseguir a conversa e nem pensar em agendar uma entrevista. 

Aí, em seguida lembrei um episódio que Cynara me contou de quando Arthur, seu filho que tem 8 anos, estava internado em um hospital e que ela foi questionada por uma profissional de saúde se corria o risco de levar uma mordida dele.

Também lembrei de Betina, que contou que foi indagada por uma pessoa que queria saber se as crianças com síndrome de Down a mordiam...

Teve também aquela blogueira que escreveu aqueles absurdos (que não vou desenvolver porque não quero dar nenhum ibope para ela).

Aliás, eu me canso de ouvir frases do tipo “eles são tão agressivos” ou “eles são tão carinhosos” ou “eles têm a libido mais aflorada” ou “o grau dele é baixo? ”

Eu escuto isso não apenas de pessoas tidas por desinformadas. Escuto também dos pais, escuto até mesmo de profissionais de saúde! Dia desses eu soube de um médico que não deu um relatório para uma mãe carente dar entrada no benefício da assistência social, porque ele avaliou que o grau de síndrome de Down da criança era baixo. Creia!

Bom... desde o início eu sabia que não seria fácil. E vou mais longe, acho que até já comentei aqui, mas uma das minhas tristezas ao receber o meu filho com síndrome de Down foi perceber que eu não sabia nada sobre o assunto.

Normal. A gente só se interessa por aquilo que nos afeta, eu acho. Aliás, foi o que eu concluí quando Lucas nasceu. Que eu era tão ignorante quanto todos os outros. Só que eu tenho uma dificuldade enorme em julgar o outro, sempre procurei não me permitir ser levada por preconceitos. É óbvio que, considerando a minha pequena condição humana, muitas vezes eu falho. Mas, eu tento. Sempre tento não rotular ou estereotipar as pessoas. Não dá para sair por aí fazendo isso, gente. Mas é o que acontece. Basta olhar um pouco ao redor e perceber o quanto nós rotulamos as pessoas. Não vou citar rótulos aqui, porque não me sinto nem um pouco confortável para os colocar em ninguém. “Rótulos servem para embalagens, não para pessoas”, vi isso em um vídeo uma vez e achei sensacional.

Porque a pessoa tem síndrome de Down, quer dizer que é necessariamente carinhosa, ou mesmo agressiva, ou que tem a libido aflorada?! Não, por favor, pare com isso! Pelo menos se pretende olhar as pessoas de uma nova forma e garantir que você vai permitir que elas se expressem exatamente como são. Até porque, é assim que a gente quer que seja com a gente, não é?!

Eu aprendi algumas coisinhas nestes quase seis anos de vida de Lucas. Algumas consigo dividir aqui, outras acabo esquecendo. Lembro claramente que quando eu consegui me comunicar com as pessoas a respeito do nascimento de Lucas, eu me referi a ele como “portador da síndrome de Down”. Hoje eu sei que não é possível portar uma síndrome, uma deficiência. Este termo é completamente inadequado. Mas, para aprender, eu precisei adentrar neste universo e foi o nascimento de meu filho que provocou isso. Por isso, tenho paciência com o outro e procuro instruir, sem problemas.

Independente da semântica, perceba que o termo “portador” tira completamente a humanidade. É uma pessoa que tem uma deficiência. É uma pessoa com deficiência – nada de deficiente, certo? Eu sei que não é simples, mas é só a força do hábito. A gente precisa desconstruir. E construir o certo. E se "humanizar". Não somos perfeitos. Ninguém é.

As pessoas com síndrome de Down ou qualquer outro tipo de deficiência intelectual e/ou cognitiva sofrem ainda mais com esses estereótipos. O fenótipo da síndrome de Down acaba fortalecendo isso. O que ninguém percebe é que precisa enxergar a pessoa. Eu vejo isso inclusive nas famílias. Quantas vezes eu percebo que os pais acreditam que a criança não consegue entender, que não vai aprender... e então, a família não dá o limite necessário, não permite que aquela criança mostre quem verdadeiramente é.

Difícil, muito difícil. Eu penso que é um grande desafio. Mas, é possível. Porque no caso particular de Lucas, eu sei que ele é muito mais do que qualquer um que não conviva com ele possa imaginar. Meu filho tem dificuldade com a fala, está diagnosticado com a dispraxia verbal, mas é notável a sua compreensão de tudo o que o cerca. Ele tem habilidades lindas, se comunica bem, acompanha as atividades na escola, como as outras crianças, resguardada a maior necessidade de concretização. Lucas surpreende todos os dias com a sua perspicácia, com a sua narrativa e percepção dos fatos, algumas vezes com uma pitada de fantasia bem engraçadinha. Porque ele tem um senso de humor daqueles e vocês não imaginam, mas existem momentos em que Lucas reconta histórias, com a versão a seu favor, e imita os colegas da escola, bem piadista o meu caçula.

Então, como qualquer ser humano, uma pessoa com síndrome de Down só precisa de um pouco mais de espaço e oportunidade para mostrar quem realmente é. A rigidez imposta pelos padrões adoece e deprime a quem estereotipa e a quem é estereotipado. Pense nisso! 

Um comentário:


  1. Olá , eu adorei teu blog, e como faço artes em crochet e tricot para bebês e crianças, eu te convido para visitar a minha loja virtual, abraços!!!!
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