quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Como dar a notícia?

“Como falar para uma mãe e para um pai que seu filho nasceu com síndrome de Down?" Essa pergunta me foi feita por uma grande amiga, neonatologista de um hospital aqui de Salvador, há um tempo. Lembro que dei uma resposta bem simples para ela: “fale como você gostaria de ouvir se fosse você”.

E, há uns dois anos, eu conversei com um grupo de estudantes que estavam se formando, se não me falha a memória, em Enfermagem. Após contar a minha história, eu falei a mesma coisa para eles. Mas, eu bem sei que nem todos nós conseguimos incorporar adequadamente o conceito de empatia. De qualquer forma, eu permaneço fazendo esse pedido, sempre que tal questionamento chega até mim.

Lembrei disso no último domingo, quando fui conhecer um bebê lindo, de quatro meses, filho de uma querida que me conheceu através do blog. Ela me relatou como recebeu a notícia de que o filho tinha síndrome de Down. E foi, no mínimo, triste. Senti uma vergonha alheia daqueles profissionais de saúde e uma dor no coração por aqueles pais jovens e lindos que só tinham o desejo de receber o seu pequeno com alegria, como eles mereciam, inclusive o bebê que tinha acabado de chegar ao mundo...

Lembrei de uma amiga que, no mesmo hospital, também teve negado seu direito de receber o seu filhote como todos recebem seus filhos quando nascem...

Lembrei de tantas outras histórias que conheço e de outras que nem imagino...

Lembrei de mim.

E essas lembranças me trouxeram alguns questionamentos. Passei os últimos dias refletindo nos porquês de algumas pessoas falarem de coisas que, de alguma forma, machucam de forma tão fria e desumana.

Pensei no quanto alguns profissionais da área de saúde se afastam da sua condição humana. E os meus pensamentos só me consumiam ainda mais. Porque eu não estou aqui com tranquilidade para julgar ninguém. Não. Simplesmente não. Apenas fico pensando nos motivos que nos levam a acreditar que podemos usar de alguma prerrogativa (profissional, financeira, familiar, etc.) para falar o que achamos, e como achamos, sobre sentimentos e emoções de outras pessoas... É tudo tão... pessoal, né?! Bom, eu acho que não vou conseguir chegar em lugar nenhum, principalmente em um pequeno texto. Talvez apenas inspire um pouco as reflexões dos meus poucos, mas queridos, leitores.

Sabe, eu espero chegar um tempo em que, aqui no Brasil, a gente possa receber a notícia de um filho com síndrome de Down com simplicidade, alegria e normalidade. Sério! Porque depois de pouco mais de cinco anos de convívio com meu Lucas, eu tenho certeza de que não mudaria nada nele! Porque conviver com ele é uma alegria, aprender tudo o que ele me proporcionou é absurdamente enriquecedor, perceber o quanto a chegada dele me transformou é incrível!

Mas, infelizmente, nós vivemos em um país imerso em preconceitos, que nos fazem sentir medo. Nós vivemos em uma sociedade que prioriza as habilidades intelectuais e detona quem não as possui (independente de deficiência, ok?!), mesmo que o julgamento disso seja tão subjetivo. Mesmo que tudo isso demande análises bem mais criteriosas do que a gente pode imaginar. Mesmo que existam múltiplas habilidades!

Por isso, e um pouco mais que faz parte da nossa pobreza humana, das nossas ambições e expectativas, da nossa mania de perfeição é que ter um filho “imperfeito” nos assusta amplamente. A todos. Ei, somos humanos, né?! Trabalhar esses medos, essas angústias, essas dores é tarefa complicada... Ainda mais considerando a nossa dificuldade em olhar para os nossos defeitos e para os de quem amamos...

Bom, o fato é que a pessoa aqui que vos escreve também sente muitos medos, também tenta curar tantos outros, também se incomoda com coisas pequenas, tá?! Eu digo isso antes que você aí do outro lado pense que eu não tenho conhecimento das minhas dificuldades, ok?! E é por causa disso que eu digo com toda a certeza e com toda a reviravolta que sucederam os meus dias depois do nascimento de Lucas que a mais importante de todas as mudanças não diz respeito à minha rotina (embora isso ainda me atormente muito). A maior reviravolta depois da chegada de Lucas diz respeito a mim. Pode até ser que muitos não saibam, não enxerguem e tenham até a bondade de dizer que eu sempre fui assim. Fato é que eu me conheço bem e sei dos meus defeitos (pelo menos de alguns muitos deles) e sei também o quanto eu mudei, o quanto eu amadureci (minha dinda, que sabia muito das coisas, disse uma vez que eu amadureci além da idade), o quanto eu cresci e evoluí para mim mesma. As conquistas foram minhas em mim mesma, sabe?! Entende?!

Eu acho que esse papo está pra lá de complexo, mas em resumo, o que eu quero dizer é que gostaria muito que ao invés de um diagnóstico, de uma cruz, me trouxessem as seguintes informações: seu filho é lindo, nasceu bem e vai apenas precisar de algumas avaliações para garantir o seu crescimento forte e saudável, além de uma estimulação extra e uma dose a mais de paciência e toda sua disposição para receber o amor puro e leve que ele tem para te dar.


Enfim, eu continuo dizendo (e acharei lindo demais se algum médico, enfermeiro, etc. ler esse texto com os olhos do amor): dê a notícia como se fosse para você mesmo ou quem sabe para alguém que você ama. Até porque  "a verdade sem amor dói,  a verdade com amor cura".

Recalculando Rota*

A ideia de escrever esse texto surge de uma necessidade absurda de expressar a minha gratidão. Sim, esse é o sentimento mais marcante dessa...