quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Aprendendo Down...

Entre os dias 03 e 05 de outubro, aconteceu o II Congresso Internacional “Aprendendo Down”, em Ilhéus, cidade que fica a 462 km de Salvador. Em companhia da minha amiga Débora, mãe de Guega e de Titi, fui para Ilhéus, viver dois dias intensos de informações sobre o nosso "novo universo".

Débora, Ivalda e eu no aeroporto

E foi tudo de bom! A companhia, a cidade, os encontros, as palestras (claro!), o evento e a energia. Aproveitamos que chegamos cedo e fomos ver o mar, viver uma tarde diferente, para quem trabalha integralmente de segunda a sexta!

À noite, seguimos (de ônibus, já que a UESC – Universidade Estadual Santa Cruz – local onde aconteceu o congresso fica um pouco longe, tanto de Ilhéus, quanto de Itabuna) para a abertura do congresso. Fomos credenciadas e depois de enfrentar uma fila grande, chegamos ao auditório. LOTADO! Quanta gente! Fiquei tão feliz! Muito bom sentir a energia boa de toda aquela gente, todos em prol de um objetivo em comum: INCLUSÃO! Todos em busca do reconhecimento dos valores das pessoas com síndrome de Down.

E, como o nome do congresso expressa, foi momento de aprender. Eu me senti ainda mais parte de tudo aquilo. Respirar aqueles conceitos, aquelas histórias, aqueles depoimentos. Nada hoje é como há pouco mais de dois anos atrás... Como diz Débora: cada pessoa com síndrome de Down está em minha vida como a minha família. Parece que já nos conhecemos há tempos! Voltei para casa me sentindo ainda mais fortalecida e com muito mais conhecimento! Tem um monte de gente querendo saber o que aconteceu lá, então, vou passar um pouco das minhas impressões!

Iniciando os trabalhos

A primeira noite foi de apresentação, de composição de mesa. O Presidente do Congresso, Dr. Zan Mustacchi, estava lá (um neto para nascer em Sampa no outro dia!), além de outras pessoas, a reitora da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), a professora Adélia Pinheiro, o Presidente de Honra e pai, Fábio Adiron, além da organizadora do evento, mãe e Presidente do Núcleo Aprendendo Down, Célia Kalil, dentre outros representantes, da prefeitura, do governo, etc.

Após todas as apresentações e comentários acerca do congresso e da importante iniciativa, dr. Zan discorreu sobre “Genética e Relações Neurofisiológicas do modelo de capacitação da pessoa com síndrome de Down”. Nesta palestra, o médico-geneticista e estudioso do tema, trouxe informações preciosas sobre a formação fisiológica das pessoas com síndrome de Down e sobre seu modelo de aprendizagem. Conversou sobre as dificuldades, comorbidades possíveis e sobre como funciona o cérebro das pessoas com síndrome de Down, do que resultam as suas possíveis dificuldades em aprender, em conectar, sobre suas dificuldades cognitivas, etc. Muitas dessas informações nos são apresentadas quando nossos pequenos nascem. Precisamos saber, por exemplo, sobre a formação cardíaca, intestinal, renal, tireoidiana e outras tantas que podem apresentar más formações e/ou funcionamento precário (claro, nem todas as pessoas com síndrome de Down vão apresentar essas dificuldades fisiológicas). Sempre muito esclarecedor e objetivo, dr. Zan, de fato, nos presenteou com uma brilhante palestra.

Depois disso, a noite foi encerrada com um coquetel. Mais do que isso! A noite foi encerrada com muitos encontros. Encontramos outros pais de Salvador, conhecemos alguns jovens com síndrome de Down, conhecemos outras tantas famílias, educadores, terapeutas. Foi uma noite mágica. Voltamos para Ilhéus com uma sensação tão boa... Encerramos com sushi em frente à pousada! E fomos dormir cansadas, mas felizes e organizadas para a “maratona” do dia seguinte que começou bem cedo!

A sexta-feira começou com um café da manhã regional muito gostoso. Cedinho encontramos nossa carona (uma mamãe alugou um carro por lá) e com Ivalda, “nossa” amada fonoaudióloga, na direção, partimos em direção à universidade. A primeira palestra do dia ficou por conta do presidente de honra do congresso e pai, Fábio Adiron. Fábio se intitula o “ogro da inclusão”, “xiita da inclusão” (também tem um blog) e o tema dele foi “Escola, família e inclusão”.

A exposição foi muito interessante. Ele mencionou os aspectos que dificultam a inclusão, como o “integracionismo”, situação em que era colocada sob a pessoa com deficiência a responsabilidade de se equiparar ao “normal”. De forma muito sincera, Fábio nos coloca que a maior dificuldade em incluir reside no fato de que é uma tarefa que dá muito trabalho para os pais e para a sociedade. E isso é tão verdade... Vejo tantas famílias optarem por escolas especiais com a justificativa de que tiveram uma experiência ruim em escolas regulares. Dá trabalho mesmo, gente, passos de formiga... É preciso estar próximo da escola, é preciso conscientizar a equipe da escola, as famílias... Muitas vezes, as pessoas não se sentem à vontade de se expor... Enfim... Vamos caminhando!

Aqui, transcrevo algumas das barreiras para incluir socialmente as pessoas com deficiência, citadas na palestra: ignorância, medo, rejeição, percepção de menos valia, inferioridade, piedade, adoração do herói, exaltação do modelo, estereótipos, compensação, negação, substantivação da deficiência, comparação, atitude de segregação, adjetivação, particularização, baixa expectativa, padronização, assistencialismo e superproteção.

Muitas dessas barreiras são iniciadas ainda em casa, em família, quando nós, pais e familiares, somos os primeiros a excluir os nossos filhos, quando qualificamos a sua condição. Por exemplo, quando se diz assim: “eu tenho dois filhos, Pedro e Beto – que tem síndrome de Down...”. Nesta apresentação, eu já incluí uma característica do meu filho que, de alguma forma, pode ser encarada como justificativa, ou até mesmo, pedidos de consolo da parte ouvinte. Certo, Vaneska, e o que eu digo então? Basta dizer assim, gente: “eu tenho dois filhos, Pedro e Beto”, ok?! Fábio ainda mencionou outras tantas situações que não percebemos, mas que utilizamos, talvez até para justificar determinados comportamentos, atitudes ou dificuldades, por exemplo. O fato é que ele está mais do que certo! Precisamos ficar atentos! Ao fim da palestra de Fábio, eu me senti tanto quanto ele uma xiita da inclusão!

Após a palestra de Fábio, o médico psiquiatra Ramon Novell, da Catalunha/Espanha, trouxe o seu tema “Síndrome de Down e Autismo”, sob a coordenação e atenção do dr. Zan. Eu confesso que esse é um tema que me traz certo desconforto. E que eu esperava que ele nos demonstrasse como é que tudo começa... O que é que “dispara o gatilho”. O espectro autista é algo ainda misterioso... Estamos aprendendo a conhecer, a cuidar e oferecer oportunidade e qualidade de vida às pessoas com autismo, mas ainda não se sabe ao certo como é que tudo começa (me corrijam se eu estiver errada, por favor!).

A palestra foi muito boa, esclarecedora até certo ponto, porque compreender a palestra em espanhol, sem tradutor foi um desafio e tanto! Mas, valeu. Valeu por saber das dificuldades, da necessidade de um diagnóstico precoce, das formas de contribuir para que a pessoa com autismo possa diminuir estereotipias e outros comportamentos prejudiciais para sua segurança e saúde. Ficou muito claro também como esse diagnóstico é ainda mais complicado em pessoas com síndrome de Down... Isso porque nesses casos, já existe um atraso na comunicação, que como decorrência traz também algum atraso de interação... Atenção, muita atenção, famílias!

Depois de um rápido intervalo e da apresentação de alguns temas livres, nós assistimos à palestra do dr. Guilherme Roberto Colin, médico pediatra e nutrólogo,  de Joenville/SC – “O modelo nutricional para a pessoa com síndrome de Down”. Ele nos deu muitas informações sobre o metabolismo (um pouco mais lento), das necessidades suplementares (inclusive do ferro, nos casos necessários) e das incompatibilidades. Além de dicas de alimentos que não devem ser consumidos em excesso (arroz, por exemplo, por dificultar a absorção do zinco, vitamina importante na prevenção do envelhecimento precoce). Mas, não é que a gente não deva dar arroz. O certo é que quando o fizermos, além de dar prioridade ao arroz integral, a gente deve também aumentar a ingestão de alimentos ricos em ômega 3 ou ômega 6. Eu penso que o ideal mesmo, para qualquer pessoa, é o acompanhamento por um nutrólogo ou nutricionista que possa analisar de perto as particularidades de cada um.

Em seguida, a apresentação da professora de Educação Física, Doutora em Educação Especial, Joslei Souza: “Atividades motoras adaptadas: desenvolvendo habilidades e competências”. Isso mesmo, não pode ficar parado! A gente precisa buscar uma atividade de acordo com a capacidade da pessoa, mas percebendo suas dificuldades, devemos adaptar a situação. Como é que um deficiente visual pode jogar basquete? A atividade precisa estar adaptada àquela realidade. É importante perceber isso!

Finalizando o turno da manhã, a fisioterapeuta Sumaia Midlej, de Salvador, apresentou o tema “Estimulando as atividades funcionais e minimizando padrões compensatórios em pessoas com síndrome de Down” e nos trouxe esclarecimentos acerca da necessidade da fisioterapia para as crianças com síndrome de Down desde o nascimento. Mostrou a importância de perceber os padrões posturais e corrigi-los no tempo certo. A fisioterapia é um aliado importante e eficaz. A gente vê isso nas crianças. Basta perceber um movimento incorreto, uma postura inadequada e a fisioterapeuta vai lá para corrigir, ensinar, exercitar a forma correta.

Pausa para o almoço e um trânsito um tanto quanto agitado nos atrasou um pouco no retorno. Quando chegamos, já tinha sido iniciada a palestra e nós perdemos o documentário “Todos com todos”... infelizmente! A primeira palestrante da tarde foi Carolina Araújo, psicomotricista/ brinquedista e mãe, de Itabuna, que apresentou o tema: “O Brincar enquanto instrumento de aprendizado e inclusão social”. Lindo tema, linda exposição, lindas imagens e lindos vídeos que demonstram a importância de um brincar “conduzido”, com objetivo. Essa simples atividade faz uma diferença enorme na participação das crianças com síndrome de Down em atividades com outras crianças. Brincando, elas aprendem a esperar a sua vez, a respeitar o movimento do colega, etc. Além de contribuir para o aprendizado, a brincadeira é uma excelente oportunidade de interação entre pais e filhos. Vamos brincar, galera!

Depois foi a vez da professora, doutora em linguística, Marian Oliveira, de Vitória da Conquista, Bahia, com o tema “Buscando alfabetizar: singularidade e demarcação de sujeitos em espaços de pesquisas – Núcleo Saber Down” que apresentou formas e exemplos de contribuição para a alfabetização das crianças, além de sua experiência em sala de aula. Surpreendente e enriquecedor.

Aí depois, um tema que trouxe uma certa tensão no ar: “Implantação das políticas públicas de inclusão”, sob a responsabilidade de Suzana Brainer, representante do Ministério da Educação. Mas, por que um clima tenso? Porque a palestrante apresentou as políticas públicas de inclusão vigentes, mas foi muito questionada sobre a votação da Meta 4. E, obviamente, não soube como responder, já que é uma questão política ainda em discussão no Planalto... Ouvir o governo falar de inclusão tendo conhecimento de uma norma que desobriga as escolas regulares é algo bastante contraditório. Bom, a palestra foi boa para sabermos dos nossos direitos, enquanto aguardamos o que virá pela frente. O meu filho já está matriculado em uma escola regular, claro!

E depois disso tudo, um depoimento lindo e emocionante da jovem Jéssica Mendes, de Brasília, estudante universitária, fotógrafa, com exposição de fotos no espaço do evento. Emocionante foi pouco... Jéssica trouxe lindas fotos e um relato pra lá de vitorioso. Um relato que nos dá forças para prosseguir, para acreditar. Sim, é possível! Jéssica foi aplaudida de pé, e não poderia ser diferente. Foi lindo demais!



Depois dela, ainda tinha mais uma palestra, mas estávamos tão cansadas que não assistimos. Infelizmente, porque no outro dia, tivemos informações de que foi um sucesso, mas que realmente acabou tarde!

Sábado de manhã ainda tinha mais: as oficinas. Cada participante só poderia se inscrever em uma oficina e eu escolhi a oficina de “Direito à Educação: reflexão e ações para garantia da escolarização com qualidade”, apresentada pela representante do MEC, Suzana Brainer, sob a coordenação de Fábio Adiron. A sala foi tomada por educadores e representantes das escolas e secretarias municipais de educação da região e circunvizinhas. De fato, foi momento de refletir e eu, assim como Fábio, não sou da área de educação, mas me considero uma “mãe intrometida” e quero muito conhecer os direitos e principalmente de que forma colaborar para que a proposta inclusiva de fato aconteça. Foi muito interessante e muito legal ver a vontade daquelas pessoas que estavam lá.

Intervalo para reunir todos os participantes no auditório para as últimas palestras e finalizar o congresso. O primeiro tema foi “O psicólogo como mediador: família, escola e perspectiva social”, com a psicóloga e mãe, Laeddy Ferraz que abordou o tema de uma forma simples, mas prejudicada por conta do tempo. Depois dela, alguém que foi logo avisando que não poderia se apresentar em tão pouco tempo: Ivalda Gomes, fonoaudióloga (ela mesma, a nosso fono),  que apresentou o tema “Estimulação Essencial: a integração entre Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Psicopedagogia” – Tema pra lá de interessante e polêmico. Mas, em se tratando de Ivalda, não poderia ser outro. Ela sempre aborda a necessidade de integração entre as terapias. Uma coisa depende da outra: falar depende de andar, aprender depende de brincar, etc. Foi muito boa, excelente! Eu fiquei de cá babando com a facilidade em se expressar, em falar do tema, em prender a atenção do público. Val foi muito boa. Fiquei toda orgulhosa! Ainda mais com a demonstração de alguns vídeos e fotos em que os nossos pequenos apareceram brilhando! #mamãesbabonasnaplateia

Infelizmente não pudemos assistir à última palestra por causa do horário... Nosso vôo estava próximo! Saímos de lá direto para o aeroporto. Felizes e satisfeitas com tudo o que vimos, encontramos e conhecemos. Com certeza, agora sabemos ainda mais e temos a responsabilidade de ensinar, de acolher, de colaborar para uma sociedade mais justa e inclusiva. Muita coisa ainda está por vir.

Ah... Eu não poderia terminar sem falar de um encontro mais do que especial! A UESC fica entre Ilhéus e Itabuna, como foi dito, e perto dali reside a minha amiga Dani... Após contatos feitos previamente com a mamãe dela, Célia, através do Facebook, e contando com a disposição e disponibilidade de uma mãe maravilhosa que percorreu uma distância considerável só para satisfazer a vontade única de reencontro de duas pessoas: eu e Dani... Só encontrei a minha amiga no último dia, no intervalo entre a oficina e as últimas palestras, mas assistimos às palestras finais juntinhas, aproveitando cada minuto que Deus (e Célia mãe) nos concedeu! Foi mágico e feliz... Não podia ser melhor! Saudades muitas dessa amiga que o destino me permitiu conhecer e amar desde o primeiro instante... Dani, você é linda e eu te amo!

Nós duas

Recalculando Rota*

A ideia de escrever esse texto surge de uma necessidade absurda de expressar a minha gratidão. Sim, esse é o sentimento mais marcante dessa...