Quando Jéssica Figueiredo começou a frequentar o ambiente escolar, há 18 anos, foi uma pioneira. Sua família teve de enfrentar muitas barreiras – e preconceitos – para que a menina, que tem síndrome de Down, tivesse o direito de estudar em classes regulares. Agora a história se repete. A jovem de 20 anos, aluna do curso tecnológico em fotografia do Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb), faz parte de um grupo seleto de alunos com a condição e que conseguiu chegar ao ensino superior.
Talvez essa seja a primeira geração de estudantes com síndrome de Down a ocupar os bancos universitários do país. Estima-se que existam apenas 18 estudantes nessas condições cursando uma faculdade hoje. Mas a tendência é que cada vez mais alunos que têm essa alteração genética ou deficiências batam às portas das instituições de ensino superior em busca de um diploma, e de seu devido espaço na sociedade. Para isso, instituições, professores e os próprios colegas que dividirão a classe com esses alunos precisam estar preparados.A chegada de alunos com diversos tipos de deficiência ao ensino superior é um dos primeiros efeitos de uma política educacional inclusiva que o país adotou há alguns anos. No início da década de 2000, apenas 21,4% das pessoas com deficiência estavam matriculadas no ensino regular. Hoje esse percentual é de 74,2%. Em 2011, o número de matrículas de estudantes com necessidades especiais na educação básica chegou a 197 mil, quantidade de alunos que em breve podem estar aptos a pleitear uma vaga numa faculdade.
Revisão de parâmetros
Apesar dos avanços nas políticas de inclusão, os tipos de deficiência intelectual ainda são enfrentados com certo preconceito. Na opinião da professora Carmem Ventura, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), as instituições de ensino ainda não despertaram para essa nova realidade e poucas estão preparadas para atender à demanda de inclusão dos alunos com síndrome de Down.
“As coisas ainda são muito mais fáceis quando se trata de deficiência física, visual ou auditiva, não havendo resistência a adaptações de espaço físico ou de materiais. Mas nas situações em que se demanda uma atenção mais diferenciada, a coisa muda”, aponta a professora que há 15 anos trabalha com a inclusão de alunos com Down. Carmem coordena o programa Proaces da PUC-Campinas, voltado para a inclusão de alunos com deficiência na instituição. Ela conta que, no grupo de jovens com síndrome de Down com que ela trabalha, pelo menos quatro têm potencial para entrar no ensino superior. “Mas a dúvida que existe é muito mais em função do contexto das instituições que irão recebê-los do que da capacidade deles propriamente”, diz.
Garantia da oportunidade
A síndrome de Down é uma deficiência intelectual, causada por uma alteração genética que ocasiona maior dificuldade de aprendizado. O potencial das pessoas afetadas dependerá do grau de severidade da síndrome e dos estímulos que recebem na infância para potencializar o desenvolvimento.
A professora Carmem aponta que tais especificidades exigem das instituições de ensino algumas adaptações curriculares ou mesmo nos processos avaliativos. “É preciso que a instituição compreenda que não é suficiente apenas abrir as portas. É necessário um conjunto de práticas capazes de garantir a aprendizagem desse aluno”, sugere. Ela assegura, porém, que as alterações não são tão significativas a ponto de criar transtornos. “São coisas simples que podem ser feitas para garantir a oportunidade de aprender”, defende.
Aprendizado coletivoAlém das adaptações curriculares, as instituições de ensino interessadas em receber alunos com Down precisam fazer um trabalho com o corpo docente para que haja uma melhor compreensão das necessidades do aluno. Para Fábio André Lopes, que foi professor de Jéssica, a experiência inédita foi bastante produtiva. “Busquei me informar mais sobre a síndrome porque é o desconhecido que nos deixa preocupados”, lembra. Nos trabalhos práticos de fotografia, ele identifica que ela tem “olhares” diferenciados e um resultado técnico satisfatório.
No Iesb, Jéssica e os demais alunos com outros tipos de deficiência, principalmente visual e auditiva, contam com o Núcleo de Atenção e Apoio ao Discente (Naad). Fernanda Mendizabal, responsável pelo departamento, avalia que os professores da educação básica são mais preparados para trabalhar com alunos com Down, especialmente porque a experiência dos docentes do ensino superior está mais focada no mercado de trabalho. “A superação é uma batalha conjunta. O que sempre preocupa é como vai ser a integração com os outros colegas”, atenta.
Já para Paulo de Moraes, coordenador do curso de fotografia do Iesb, a experiência de ter um aluno com síndrome de Down é muito vantajosa tanto para os colegas como para a instituição como um todo. “O que acho mais rico é que a gente escuta falar em diversidade e nunca convive com isso. E a vida é assim, cheia de diversidade”, diz.
Sem medo do percurso | |
O desafio começou cedo para Jéssica, que aos 2 anos enfrentou seu primeiro teste para ser admitida no jardim de infância. “Ela sempre teve de provar mais do que os outros de que era capaz”, explica a mãe, Ana Cláudia Figueiredo. O apoio incondicional da família, os estímulos desde os primeiros meses de vida e a grande dedicação da menina aos estudos fizeram com que o sonho de chegar ao ensino superior fosse possível, mesmo com muitas dificuldades pelo caminho. Após a conclusão do ensino básico, a mãe chegou a aventar a hipótese de Jéssica não continuar a estudar. “Eu disse que caso ela quisesse parar não teria problema, porque ela já tinha feito muito. Mas ela questionou o porquê de parar de estudar se era na escola que ela aprendia e que tinha chance de crescer”, lembra Ana emocionada. No Iesb, onde cursa fotografia, Jéssica conta que o primeiro semestre foi “puxado” e os conteúdos bem mais complexos do que as aulas do ensino médio. Mas comemora a aprovação em todas as disciplinas e já planeja trabalhar fotografando eventos depois da formatura. |
Fonte: http://semesp1.tempsite.ws/semesp_beta/sem-limites/
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