Desde o dia em que eu pensei em ser mãe nunca imaginei a
minha vida apenas com um filho. Sempre quis no mínimo dois... Acho irmão o
máximo. Não sei lembrar da minha infância e
adolescência sem lembrar das minhas irmãs. Sou a mais velha de três filhas. Só
mulheres em casa, algumas brigas, mas muitas brincadeiras. Por ser a mais
velha, muitas vezes colocava as meninas em situações um tanto inusitadas.
Verena que o diga... E Veruska, companheira de todas as horas, "aprontanças" e
muita cumplicidade.
Depois que Mateus nasceu, muita gente me perguntava se eu
teria coragem de embarcar novamente nessa viagem de ser mãe. Eu respondia
afirmativamente... Ser mãe só me deixou com mais vontade de ter outro bebê...
Mas aí, quando Lucas nasceu, uma das minhas maiores
angústias com a surpresa que ele trouxe (e sei que Marcelo se sentiu exatamente
como eu) foi relacionada a Mateus. Logo que soube da notícia, fiquei preocupada em como
eu iria administrar a tarefa de mãe de dois filhos pequenos (afinal de contas,
Mateus só tem 3 anos, é um bebê grande), sendo um deles especial. Ficava com
medo de negligenciar com Mateus, de não saber como lidar com o volume de
atividades de Lucas... De pensar em como Mateus conviveria com essa realidade.
Com o tempo, isso foi se ajustando em nossos corações. Até
porque Mateus e Lucas se olham de uma forma tão linda, com tanta ternura que a
gente tem a certeza de que eles é que sabem de tudo mesmo.
Além disso, conheci duas pessoas que me trouxeram
depoimentos tão fascinantes sobre suas relações com seus irmãos (também com
síndrome de Down): uma dessas pessoas é Leonardo Gontijo, irmão de Dudu (
http://www.editorasaojeronimo.com.br/manodown/?paged=2).
História linda de um irmão apaixonado, que até virou livro. E Mirele, irmã de Camila,
que conheci em um encontro na Ser Down. Léo e Mirele, obrigada por me
fazerem conhecer esse amor... Vocês são
lindos e apaixonantes. Mais ainda: vocês são pessoas abençoadas!
Para completar, recebi um texto por e-mail, que me emocionou
muito. Mas que me deixou muito orgulhosa e feliz por saber que meu filho mais
velho terá sim muitos desafios, mas será uma pessoa com uma visão de vida bem
diferente. O texto segue abaixo e vale muito a pena ler.
Entre tapas e beijos, lutas e brincadeiras, se desenvolve um
relacionamento entre duas ou mais crianças que compartilham e brigam pelo
quarto, pela cadeira, pelo programa da TV, pelo amor dos pais.
O relacionamento entre irmãos em todas as famílias sempre envolve emoções
conflitantes. Mesmo os adultos, que hoje afirmam ter tido bons relacionamentos
com seus irmãos na infância, se levados a lembrar mais detalhadamente, vão se
recordar de terem sentido emoções como raiva, ciúmes, inveja, medo,
preocupação, vergonha e até ódio, acompanhados de amor, admiração, respeito e
amizade. Ou seja, mesmo a família mais sensível e adequada, terá no
relacionamento entre irmãos um desafio e uma incógnita, com todas as
provocações, brigas e esforço que irmãos requerem entre si e de seus pais.
E quando a essas relações já tão intensas e complexas se soma um irmão com a
Síndrome de Down? Quando pensamos numa criança ou adolescente com SD, logo
pensamos em seus pais, no seu envolvimento, seus sentimentos, preocupações e
responsabilidades relacionadas a esse filho. Porém, o nascimento de uma criança
com SD não afeta apenas seus pais, mas sim todos os membros da família. E os
seus irmãos? Como essa experiência afeta seu desenvolvimento social e
emocional?
Quando um novo bebê chega em casa, é natural que os pais dêem prioridade a ele
na maior parte do tempo. Quando o bebê que chega tem a SD, esse desvio da
atenção pode ser ainda maior, pois os pais estarão lidando com suas próprias
emoções e tentando lidar com essa informação nova em suas vidas, a Síndrome de
Down. À medida que a criança cresce a atenção a tudo que se refere às suas
necessidades médicas, escolares e sociais continua. O irmão, mesmo sabendo que
existem motivos para isso, está consciente de que os holofotes podem estar
sobre seu irmão com SD em um tempo desproporcional e injusto. A atenção dos
pais, afinal, é a coisa mais difícil de se compartilhar.
A deficiência de um filho e irmão nunca é desejada e, quando acontece, desperta
sentimentos de perda, culpa, raiva, negação, vergonha, pena, medo e tantos
outros complicadores do desenvolvimento das relações na família e da
personalidade dos seus irmãos. Ao perceber que irmãos estão tendo sentimentos
como frustração ou ciúmes, é importante que a família não desautorize, evite ou
impeça estas sensações. A simples pergunta "Me diga por que você está se
sentindo assim?", faz com que a criança encontre espaço para que a
comunicação flua.
Os sentimentos desenvolvidos pela presença de irmãos portadores de deficiência
variam bastante e são muitas vezes contraditórios. Irmãos geralmente ficam
muito orgulhosos das conquistas alcançadas pelo irmão com a Síndrome;
reconhecem cada aprendizagem, os defendem diante das dificuldades, torcem pelo
seu sucesso. Mas, por outro lado, eles podem sentir raiva e ciúmes da atenção
extra, e depois, culpa por terem se sentido assim. A agressividade, em muitas
famílias, é um canal natural que os irmãos encontram para resolver frustrações
e ciúmes. Quando um irmão tem SD ou necessidades especiais, esse instinto
natural fica inibido pelo respeito às limitações do irmão. É um turbilhão de
emoções conflitantes.
Os irmãos de uma criança com SD também se preocupam mais: preocupam-se com a saúde,
eventuais cirurgias, questões de segurança, sobre seu futuro e sua felicidade.
Pensam também sobre o comportamento do irmão em ambientes sociais. Esse
embaraço costuma crescer na adolescência, pela necessidade forte de fazer parte
do grupo, nesta fase.
Apesar dessa profusão de sentimentos,
estudos revelam que irmãos e irmãs de crianças com SD costumam ser afetados
mais positiva do que negativamente, pois tendem a desenvolver generosidade,
empatia e respeito à diversidade. Irmãos de pessoas com SD relatam que
aprenderam muito nessa relação: são mais sensíveis, responsáveis, pacientes e
tolerantes. Crescer com um irmão ou irmã com SD pode trazer uma riqueza de
experiências e uma melhor qualidade de vida, abrir caminho para traços
positivos de caráter, ajudar a desenvolver melhor senso de humor e confiança, e
introduzir todos à visão de comunidades inclusivas. Uma grande porcentagem de
irmãos de pessoas com SD procura carreiras relacionadas com medicina e
reabilitação.
Para a criança ou jovem com SD, seus irmãos são aqueles que mais os conhecem,
que mais os desafiam, estimulam sua criatividade, seu senso de defesa e de
aventura.
A postura que os pais demonstram frente
à SD de um de seus filhos, tem papel de grande importância no tipo de
relacionamento que vai se desenvolver entre irmãos. Pais que aceitam a SD de seu filho, falam abertamente sobre ela e vêem
a educação de cada filho de forma aberta e justa, que deixam claro que amam
cada um deles com suas falhas e qualidades. Uma família que investe na colaboração e demonstra interesse por todos
os filhos, ainda que possa estar mais empenhada na estimulação de um deles; uma
família que percebe que qualquer filho é vulnerável a sentimentos como
insucesso, inadequação, solidão e competitividade, têm diante de si a
probabilidade maior de alcançar uma relação de cumplicidade entre irmãos.
Estratégias para promover um relacionamento familiar saudável (Fonte: Brian Skotko/ Children's Hospital Boston/ 2007)
1- Sejam abertos e honestos e expliquem
sobre a SD o mais cedo possível. Encoraje seus outros filhos a fazerem
perguntas; responda-as em seu nível e com honestidade. Se eles não
perguntarem, de tempos em tempos perguntem se eles têm perguntas ou
preocupações. Os irmãos devem saber quais são os planos de seus pais para o
futuro de seu irmão com SD; assim, acalmam-se as apreensões e os outros irmãos
podem participar da construção deste futuro.
2 - Deixem os irmãos expressarem seus
sentimentos negativos - Reconheçam o fato que às vezes é difícil ser irmão
ou irmã de uma pessoa com deficiência. Dê-lhes privacidade e tempo e não espere
que sejam santos.
3- Reconheçam os momentos difíceis pelos
quais os irmãos podem estar passando - enquanto vão crescendo, os irmãos e
irmãs começam a se dar conta que nem todo mundo na sociedade tem as mesmas
crenças e valores da sua família. Estejam também atentos ao fato de podem ficar
mais sensíveis em certas situações sociais e sempre incluir o irmão com SD pode
ser desconfortável algumas vezes.
4- Limitem as responsabilidades de
guarda - crianças precisam ser crianças. Deixe que eles sejam irmãos e não
um outro pai ou mãe. Seu filho com deficiência se beneficia mais por ter irmãos
do que uma família cheia de pais.
5- Não valorize apenas as conquistas do
filho com SD. Reconheça a individualidade de cada criança da família.
Sempre diga a cada filho o que os torna tão especiais. Eles querem sentir que
vocês os notam também. Comemore suas conquistas e reserve um tempo individual
para cada um de seus filhos.
6- Sejam justos - ouçam os dois lados da
história e se assegurem que cada criança tenha responsabilidades apropriadas ao
seu nível de habilidade. Lembrem-se que nem sempre é o mais velho ou o
filho mais capaz que começa uma briga; e que o filho com SD também pode ter
tarefas e deveres em casa.
7- Quando os pais têm apoio, eles ficam
melhor equipados para a caminhada. As crianças costumam se espelhar no
exemplo de como os pais estão se comportando e lidando com a situação.
8- Procurem ou criem grupos de apoio a
irmãos. Se um grupo não for possível, propicie a oportunidade de seus
filhos encontrarem outras crianças com SD e seus irmãos.
(Baseado em "The Sibling
Relationship: Attending to the Needs of the other Children in the Family"
- Susan P. Levine. Traduzido e adaptado por Josiane Mayr Bibas -
Associação Reviver Down)
Agora, para vocês os meus amados filhos e todo o carinho de irmãos...