“Como falar para uma mãe e para
um pai que seu filho nasceu com síndrome de Down?" Essa pergunta me foi feita
por uma grande amiga, neonatologista de um hospital aqui de Salvador, há um
tempo. Lembro que dei uma resposta bem simples para ela: “fale como você
gostaria de ouvir se fosse você”.
E, há uns dois anos, eu
conversei com um grupo de estudantes que estavam se formando, se não me falha a
memória, em Enfermagem. Após contar a minha história, eu falei a mesma coisa
para eles. Mas, eu bem sei que nem todos nós conseguimos incorporar
adequadamente o conceito de empatia. De qualquer forma, eu permaneço fazendo
esse pedido, sempre que tal questionamento chega até mim.
Lembrei disso no último domingo,
quando fui conhecer um bebê lindo, de quatro meses, filho de uma querida que me
conheceu através do blog. Ela me relatou como recebeu a notícia de que o filho
tinha síndrome de Down. E foi, no mínimo, triste. Senti uma vergonha alheia
daqueles profissionais de saúde e uma dor no coração por aqueles pais jovens e
lindos que só tinham o desejo de receber o seu pequeno com alegria, como eles
mereciam, inclusive o bebê que tinha acabado de chegar ao mundo...
Lembrei de uma amiga que, no
mesmo hospital, também teve negado seu direito de receber o seu filhote como
todos recebem seus filhos quando nascem...
Lembrei de tantas outras histórias que conheço e de outras que nem imagino...
Lembrei de mim.
E essas lembranças me trouxeram
alguns questionamentos. Passei os últimos dias refletindo nos porquês de
algumas pessoas falarem de coisas que, de alguma forma, machucam de forma tão
fria e desumana.
Pensei no quanto alguns
profissionais da área de saúde se afastam da sua condição humana. E os meus
pensamentos só me consumiam ainda mais. Porque eu não estou aqui com tranquilidade
para julgar ninguém. Não. Simplesmente não. Apenas fico pensando nos motivos
que nos levam a acreditar que podemos usar de alguma prerrogativa
(profissional, financeira, familiar, etc.) para falar o que achamos, e como
achamos, sobre sentimentos e emoções de outras pessoas... É tudo tão... pessoal,
né?! Bom, eu acho que não vou conseguir chegar em lugar nenhum, principalmente
em um pequeno texto. Talvez apenas inspire um pouco as reflexões dos meus
poucos, mas queridos, leitores.
Sabe, eu espero chegar um tempo
em que, aqui no Brasil, a gente possa receber a notícia de um filho com
síndrome de Down com simplicidade, alegria e normalidade. Sério! Porque depois
de pouco mais de cinco anos de convívio com meu Lucas, eu tenho certeza de que
não mudaria nada nele! Porque conviver com ele é uma alegria, aprender tudo o
que ele me proporcionou é absurdamente enriquecedor, perceber o quanto a
chegada dele me transformou é incrível!
Mas, infelizmente, nós vivemos em
um país imerso em preconceitos, que nos fazem sentir medo. Nós vivemos em uma
sociedade que prioriza as habilidades intelectuais e detona quem não as possui
(independente de deficiência, ok?!), mesmo que o julgamento disso seja tão
subjetivo. Mesmo que tudo isso demande análises bem mais criteriosas do que a
gente pode imaginar. Mesmo que existam múltiplas habilidades!
Por isso, e um pouco mais que faz
parte da nossa pobreza humana, das nossas ambições e expectativas, da nossa
mania de perfeição é que ter um filho “imperfeito” nos assusta amplamente. A
todos. Ei, somos humanos, né?! Trabalhar esses medos, essas angústias, essas
dores é tarefa complicada... Ainda mais considerando a nossa dificuldade em
olhar para os nossos defeitos e para os de quem amamos...
Bom, o fato é que a pessoa aqui
que vos escreve também sente muitos medos, também tenta curar tantos outros,
também se incomoda com coisas pequenas, tá?! Eu digo isso antes que você aí do
outro lado pense que eu não tenho conhecimento das minhas dificuldades, ok?! E
é por causa disso que eu digo com toda a certeza e com toda a reviravolta que sucederam
os meus dias depois do nascimento de Lucas que a mais importante de todas as
mudanças não diz respeito à minha rotina (embora isso ainda me atormente
muito). A maior reviravolta depois da chegada de Lucas diz respeito a mim. Pode
até ser que muitos não saibam, não enxerguem e tenham até a bondade de dizer
que eu sempre fui assim. Fato é que eu me conheço bem e sei dos meus defeitos
(pelo menos de alguns muitos deles) e sei também o quanto eu mudei, o quanto eu
amadureci (minha dinda, que sabia muito das coisas, disse uma vez que eu amadureci além da idade), o quanto
eu cresci e evoluí para mim mesma. As conquistas foram minhas em mim mesma,
sabe?! Entende?!
Eu acho que esse papo está pra lá
de complexo, mas em resumo, o que eu quero dizer é que gostaria muito que ao
invés de um diagnóstico, de uma cruz, me trouxessem as seguintes informações: seu filho é lindo, nasceu bem e vai apenas precisar de algumas avaliações para
garantir o seu crescimento forte e saudável, além de uma estimulação extra e
uma dose a mais de paciência e toda sua disposição para receber o amor puro e
leve que ele tem para te dar.
Enfim, eu continuo dizendo (e
acharei lindo demais se algum médico, enfermeiro, etc. ler esse
texto com os olhos do amor): dê a notícia como se fosse para você mesmo ou quem sabe para alguém que você ama. Até porque "a verdade sem amor dói, a verdade com amor cura".