Entre os dias 03 e 05 de outubro, aconteceu o II Congresso
Internacional “Aprendendo Down”, em Ilhéus, cidade que fica a 462 km de Salvador. Em companhia da minha amiga Débora, mãe de Guega e de Titi, fui para Ilhéus, viver dois dias intensos de informações sobre o nosso "novo universo".
E foi tudo de bom! A companhia, a cidade, os encontros, as
palestras (claro!), o evento e a energia. Aproveitamos que chegamos cedo e
fomos ver o mar, viver uma tarde diferente, para quem trabalha integralmente de
segunda a sexta!
À noite, seguimos (de ônibus, já que a UESC – Universidade
Estadual Santa Cruz – local onde aconteceu o congresso fica um pouco longe,
tanto de Ilhéus, quanto de Itabuna) para a abertura do congresso. Fomos credenciadas e depois de enfrentar uma fila grande, chegamos ao auditório. LOTADO! Quanta
gente! Fiquei tão feliz! Muito bom sentir a energia boa de toda aquela gente,
todos em prol de um objetivo em comum: INCLUSÃO! Todos em busca do
reconhecimento dos valores das pessoas com síndrome de Down.
E, como o nome do congresso expressa, foi momento de aprender.
Eu me senti ainda mais parte de tudo aquilo. Respirar aqueles conceitos,
aquelas histórias, aqueles depoimentos. Nada hoje é como há pouco mais de
dois anos atrás... Como diz Débora: cada pessoa com síndrome de
Down está em minha vida como a minha família. Parece que já nos conhecemos há
tempos! Voltei para casa me sentindo ainda mais fortalecida e com muito mais
conhecimento! Tem um monte de gente querendo saber o que aconteceu lá, então,
vou passar um pouco das minhas impressões!
A primeira noite foi de apresentação, de composição de mesa.
O Presidente do Congresso, Dr. Zan Mustacchi, estava lá (um neto para nascer em
Sampa no outro dia!), além de outras pessoas, a reitora da UESC (Universidade
Estadual de Santa Cruz), a professora Adélia Pinheiro, o Presidente de Honra e
pai, Fábio Adiron, além da organizadora do evento, mãe e Presidente do Núcleo
Aprendendo Down, Célia Kalil, dentre outros representantes, da prefeitura, do
governo, etc.
Após todas as apresentações e comentários acerca do
congresso e da importante iniciativa, dr. Zan discorreu sobre “Genética e Relações Neurofisiológicas do
modelo de capacitação da pessoa com síndrome de Down”. Nesta palestra, o médico-geneticista e
estudioso do tema, trouxe informações preciosas sobre a formação fisiológica
das pessoas com síndrome de Down e sobre seu modelo de aprendizagem. Conversou
sobre as dificuldades, comorbidades possíveis e sobre como funciona o cérebro
das pessoas com síndrome de Down, do que resultam as suas possíveis
dificuldades em aprender, em conectar, sobre suas dificuldades cognitivas, etc.
Muitas dessas informações nos são apresentadas quando nossos pequenos
nascem. Precisamos saber, por exemplo, sobre a formação cardíaca, intestinal,
renal, tireoidiana e outras tantas que podem apresentar más formações e/ou
funcionamento precário (claro, nem todas as pessoas com síndrome de Down vão
apresentar essas dificuldades fisiológicas). Sempre muito esclarecedor e
objetivo, dr. Zan, de fato, nos presenteou com uma brilhante palestra.
Depois disso, a noite foi
encerrada com um coquetel. Mais do que isso! A noite foi encerrada com muitos
encontros. Encontramos outros pais de Salvador, conhecemos alguns jovens com
síndrome de Down, conhecemos outras tantas famílias, educadores, terapeutas.
Foi uma noite mágica. Voltamos para Ilhéus com uma sensação tão boa...
Encerramos com sushi em frente à pousada! E fomos dormir cansadas, mas felizes
e organizadas para a “maratona” do dia seguinte que começou bem cedo!
A sexta-feira começou com um café
da manhã regional muito gostoso. Cedinho encontramos nossa carona (uma mamãe
alugou um carro por lá) e com Ivalda, “nossa” amada fonoaudióloga, na direção,
partimos em direção à universidade. A primeira palestra do dia ficou por conta
do presidente de honra do congresso e pai, Fábio Adiron. Fábio se intitula o
“ogro da inclusão”, “xiita da inclusão” (também tem um blog) e o tema dele foi “Escola,
família e inclusão”.
A exposição foi muito interessante. Ele
mencionou os aspectos que dificultam a inclusão, como o “integracionismo”,
situação em que era colocada sob a pessoa com deficiência a responsabilidade de
se equiparar ao “normal”. De forma muito sincera, Fábio nos coloca que a maior
dificuldade em incluir reside no fato de que é uma tarefa que dá muito trabalho
para os pais e para a sociedade. E isso é tão verdade... Vejo tantas famílias
optarem por escolas especiais com a justificativa de que tiveram uma
experiência ruim em escolas regulares. Dá trabalho mesmo, gente, passos de
formiga... É preciso estar próximo da escola, é preciso conscientizar a equipe
da escola, as famílias... Muitas vezes, as pessoas não se sentem à vontade de
se expor... Enfim... Vamos caminhando!
Aqui,
transcrevo algumas das barreiras para incluir socialmente as pessoas com
deficiência, citadas na palestra: ignorância, medo, rejeição, percepção de
menos valia, inferioridade, piedade, adoração do herói, exaltação do modelo, estereótipos,
compensação, negação, substantivação da deficiência, comparação, atitude de
segregação, adjetivação, particularização, baixa expectativa, padronização,
assistencialismo e superproteção.
Muitas dessas barreiras são
iniciadas ainda em casa, em família, quando nós, pais e familiares, somos os primeiros a excluir os nossos filhos, quando qualificamos a sua condição. Por exemplo, quando se diz assim: “eu tenho
dois filhos, Pedro e Beto – que tem síndrome de Down...”. Nesta apresentação,
eu já incluí uma característica do meu filho que, de alguma forma, pode ser
encarada como justificativa, ou até mesmo, pedidos de consolo da parte ouvinte.
Certo, Vaneska, e o que eu digo então? Basta dizer assim, gente: “eu tenho dois
filhos, Pedro e Beto”, ok?! Fábio ainda mencionou outras tantas situações que
não percebemos, mas que utilizamos, talvez até para justificar determinados
comportamentos, atitudes ou dificuldades, por exemplo. O fato é que ele está mais
do que certo! Precisamos ficar atentos! Ao fim da palestra de Fábio, eu me
senti tanto quanto ele uma xiita da inclusão!
Após a palestra de Fábio, o médico psiquiatra Ramon Novell, da Catalunha/Espanha,
trouxe o seu tema “Síndrome de Down e Autismo”, sob a coordenação e
atenção do dr. Zan. Eu confesso que esse é um tema que me traz certo
desconforto. E que eu esperava que ele nos demonstrasse como é que tudo
começa... O que é que “dispara o gatilho”. O espectro autista é algo ainda
misterioso... Estamos aprendendo a conhecer, a cuidar e oferecer oportunidade e
qualidade de vida às pessoas com autismo, mas ainda não se sabe ao certo como é
que tudo começa (me corrijam se eu estiver errada, por favor!).
A palestra
foi muito boa, esclarecedora até certo ponto, porque compreender a palestra em
espanhol, sem tradutor foi um desafio e tanto! Mas, valeu. Valeu por saber das
dificuldades, da necessidade de um diagnóstico precoce, das formas de
contribuir para que a pessoa com autismo possa diminuir estereotipias e outros
comportamentos prejudiciais para sua segurança e saúde. Ficou muito claro
também como esse diagnóstico é ainda mais complicado em pessoas com síndrome de
Down... Isso porque nesses casos, já existe um atraso na comunicação, que como
decorrência traz também algum atraso de interação... Atenção, muita atenção, famílias!
Depois de um rápido intervalo e da apresentação de
alguns temas livres, nós assistimos à palestra do dr. Guilherme
Roberto Colin, médico pediatra e nutrólogo,
de Joenville/SC – “O modelo nutricional para a pessoa com síndrome de
Down”. Ele nos deu muitas informações sobre o metabolismo (um pouco mais
lento), das necessidades suplementares (inclusive do ferro, nos casos
necessários) e das incompatibilidades. Além de dicas de alimentos que não devem
ser consumidos em excesso (arroz, por exemplo, por dificultar a absorção do zinco,
vitamina importante na prevenção do envelhecimento precoce). Mas, não é que a
gente não deva dar arroz. O certo é que quando o fizermos, além de dar prioridade ao arroz integral, a gente deve também aumentar a ingestão de alimentos ricos em ômega 3 ou ômega 6.
Eu penso que o ideal mesmo, para qualquer pessoa, é o acompanhamento por um
nutrólogo ou nutricionista que possa analisar de perto as particularidades de
cada um.
Em seguida, a apresentação da professora de Educação
Física, Doutora em Educação Especial, Joslei Souza: “Atividades motoras
adaptadas: desenvolvendo habilidades e competências”. Isso mesmo, não pode
ficar parado! A gente precisa buscar uma atividade de acordo com a capacidade
da pessoa, mas percebendo suas dificuldades, devemos adaptar a situação. Como é
que um deficiente visual pode jogar basquete? A atividade precisa estar
adaptada àquela realidade. É importante perceber isso!
Finalizando o turno da manhã, a fisioterapeuta
Sumaia Midlej, de Salvador, apresentou o tema “Estimulando as
atividades funcionais e minimizando padrões compensatórios em pessoas com
síndrome de Down” e nos trouxe esclarecimentos acerca da necessidade da
fisioterapia para as crianças com síndrome de Down desde o nascimento. Mostrou
a importância de perceber os padrões posturais e corrigi-los no tempo certo. A
fisioterapia é um aliado importante e eficaz. A gente vê isso nas
crianças. Basta perceber um movimento incorreto, uma postura inadequada e a
fisioterapeuta vai lá para corrigir, ensinar, exercitar a forma correta.
Pausa para o almoço e um trânsito um tanto quanto
agitado nos atrasou um pouco no retorno. Quando chegamos, já tinha sido
iniciada a palestra e nós perdemos o documentário “Todos com todos”...
infelizmente! A primeira palestrante da tarde foi Carolina Araújo, psicomotricista/
brinquedista e mãe, de Itabuna, que apresentou o tema: “O Brincar enquanto
instrumento de aprendizado e inclusão social”. Lindo tema, linda exposição,
lindas imagens e lindos vídeos que demonstram a importância de um brincar
“conduzido”, com objetivo. Essa simples atividade faz uma diferença enorme na
participação das crianças com síndrome de Down em atividades com outras
crianças. Brincando, elas aprendem a esperar a sua vez, a respeitar o movimento
do colega, etc. Além de contribuir para o aprendizado, a brincadeira é uma
excelente oportunidade de interação entre pais e filhos. Vamos brincar, galera!
Depois foi a vez da professora, doutora em
linguística, Marian Oliveira, de Vitória da Conquista, Bahia, com o tema “Buscando
alfabetizar: singularidade e demarcação de sujeitos em espaços de pesquisas –
Núcleo Saber Down” que apresentou formas e exemplos de contribuição para a
alfabetização das crianças, além de sua experiência em sala de aula.
Surpreendente e enriquecedor.
Aí depois, um tema que trouxe uma certa tensão no
ar: “Implantação das políticas públicas de inclusão”, sob a
responsabilidade de Suzana Brainer, representante do Ministério da Educação.
Mas, por que um clima tenso? Porque a palestrante apresentou as políticas
públicas de inclusão vigentes, mas foi muito questionada sobre a votação da
Meta 4. E, obviamente, não soube como responder, já que é uma questão política
ainda em discussão no Planalto... Ouvir o governo falar de inclusão tendo
conhecimento de uma norma que desobriga as escolas regulares é algo bastante
contraditório. Bom, a palestra foi boa para sabermos dos nossos direitos,
enquanto aguardamos o que virá pela frente. O meu filho já está matriculado em
uma escola regular, claro!
E depois disso tudo, um depoimento lindo e emocionante
da jovem Jéssica Mendes, de Brasília, estudante universitária, fotógrafa,
com exposição de fotos no espaço do evento. Emocionante foi pouco... Jéssica
trouxe lindas fotos e um relato pra lá de vitorioso. Um relato que nos dá
forças para prosseguir, para acreditar. Sim, é possível! Jéssica foi aplaudida
de pé, e não poderia ser diferente. Foi lindo demais!
Depois dela, ainda tinha mais uma palestra, mas
estávamos tão cansadas que não assistimos. Infelizmente, porque no outro dia,
tivemos informações de que foi um sucesso, mas que realmente acabou tarde!
Sábado de manhã ainda tinha mais: as oficinas. Cada
participante só poderia se inscrever em uma oficina e eu escolhi a oficina de
“Direito à Educação: reflexão e ações para garantia da escolarização com
qualidade”, apresentada pela representante do MEC, Suzana Brainer, sob a coordenação de Fábio
Adiron. A sala foi tomada por educadores e representantes das escolas e
secretarias municipais de educação da região e circunvizinhas. De fato, foi momento de refletir e eu, assim como Fábio, não sou
da área de educação, mas me considero uma “mãe intrometida” e quero muito
conhecer os direitos e principalmente de que forma colaborar para que a
proposta inclusiva de fato aconteça. Foi muito interessante e muito legal ver a
vontade daquelas pessoas que estavam lá.
Intervalo para reunir todos os participantes no
auditório para as últimas palestras e finalizar o congresso. O primeiro tema
foi “O psicólogo como mediador: família, escola e perspectiva social”, com a
psicóloga e mãe, Laeddy Ferraz que abordou o tema de uma forma simples, mas
prejudicada por conta do tempo. Depois dela, alguém que foi logo avisando que não poderia se apresentar em tão
pouco tempo: Ivalda Gomes, fonoaudióloga (ela mesma, a nosso fono), que apresentou
o tema “Estimulação Essencial: a integração entre Fisioterapia, Fonoaudiologia,
Terapia Ocupacional e Psicopedagogia” – Tema pra lá de interessante e polêmico.
Mas, em se tratando de Ivalda, não poderia ser outro. Ela sempre aborda a
necessidade de integração entre as terapias. Uma coisa depende da outra: falar
depende de andar, aprender depende de brincar, etc. Foi muito boa, excelente!
Eu fiquei de cá babando com a facilidade em se expressar, em falar do tema, em
prender a atenção do público. Val foi muito boa. Fiquei toda orgulhosa! Ainda mais com a
demonstração de alguns vídeos e fotos em que os nossos pequenos apareceram
brilhando! #mamãesbabonasnaplateia
Infelizmente não pudemos assistir à última palestra
por causa do horário... Nosso vôo estava próximo! Saímos de lá direto para o aeroporto.
Felizes e satisfeitas com tudo o que vimos, encontramos e conhecemos. Com
certeza, agora sabemos ainda mais e temos a responsabilidade de ensinar, de
acolher, de colaborar para uma sociedade mais justa e inclusiva. Muita coisa
ainda está por vir.
Nós duas